Crónica de Alexandre Honrado – Encontros nunca casuais

Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
Encontros nunca casuais

Numa extraordinária e inesperada livraria de Aix-en-Provence, onde me perdi algumas horas, entre escolha de livros, leituras de resumos, consumo de limonadas com mel e uma paz de consumir digna de justos e atormentados, descubro uma não menos excecional e improvável autobiografia de Edgar Morin, em destaque num dos setores do estabelecimento, permitindo que aos nossos olhos chegue a força do olhar de Morin que, na capa, parece irradiar malícia e sabedoria. A edição é de 2022, o que dá ao prato o sabor apaladado e certo – se me é permitida a graçola gastronómica.

Sabendo, como se sabe, que Edgar Morin passou já os cem anos de idade, não se impedindo mesmo assim de olhar e (d)escrever o mundo com uma intensidade a um tempo irrepreensivelmente lúcida e inevitavelmente vigilante, esperar-se-ia um livro de grande formato, onde tudo se dissesse e revelasse. Pelo contrário, o livrinho de bolso tem centena e meia de páginas, ou nem tanto, é um belo exemplar que cabe na mão, essa península ativa e atenta onde o braço acolhe as emoções.

Passeamos e vivemos juntos desde então, o livro, Morin e eu. Apaixona-me desde as primeiras páginas, onde um tema que me atrai desde sempre marca presença: a identidade. Nunca aceitei a identidade, pessoal ou coletiva, como um rochedo característico e inconfundível, nada haverá de mais complexo e controverso, somos mais o projeto de uma construção identitária do que uma identidade, fraca ou firme.

Agarro-me às linhas onde Morin, ele próprio um alter ego de um desconhecido – chama-se na realidade Edgar Nahoum –, onde regista que a identidade é dual, pois aprece como uma e múltipla, um substantivo erguido sobre adjetivos, de importância variável de acordo com as circunstâncias. Morin, o pensador centenário, sendo maior do que o século parece-me da idade do mundo. Agarro com força o livrinho – Leçons dún siècle de vie – e sinto um estranho calor irradiante que me conforta e, em última análise, me identifica.

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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